domingo, 21 de setembro de 2008

A TIRANIA DO URGENTE (Charles Hummel)

Você já desejou, por acaso, que o dia tivesse 36 horas? Certamente esse tempo extra aliviaria a pressão tremenda sob a qual vivemos hoje em dia. Pense bem as quantidades de tarefas inacabadas que terminaríamos num dia mais comprido, correspondências atrasadas, amigos por visitar, livros ainda não lidos, artigos para o jornal não escritos ou outras responsabilidades. Poderíamos até usar essas horas extras para ganhar um pouco mais de dinheiro que nos ajudaria a pagar as despesas da vida cotidiana. Será que tais horas extras resolveriam nosso problema? Ou estaríamos tão frustrados com um dia de 36 horas como o somos com dias de 24 horas? Quando paramos e meditamos profundamente, compreendemos que o nosso dilema é muito mais profundo do que uma simples questão de tempo limitado; é basicamente uma questão de prioridades.
Não é a falta de tempo, nem o trabalho árduo que desgasta nossas forças. Todos nós já experimentamos trabalhar horas a fio, totalmente entregues a um projeto importante. O cansaço resultante dessa atividade é completamente recompensado pela alegria proveniente de um empreendimento bem sucedido. Não o trabalho laborioso, mas sim, a dúvida e a indecisão produzem a ansiedade e daí sentimo-nos deprimidos pela soma de tarefas não realizadas do mês ou do ano que se passou. Aos poucos, vamos percebendo que deixamos de fazer o que realmente era importante. É assim que confessamos, à parte da confissão dos nossos próprios pecados, que deixamos de fazer o que devíamos e fazemos o que não devíamos. A grande verdade é que somos arrastados pelo vendaval das exigências da nossa sociedade para os recifes da frustração.
Vivemos numa tensão constante entre o urgente e o importante. O problema está em que o importante pode ser prorrogado até amanhã – aquelas horas extras de oração e leitura da Bíblia, a reunião de oração, o amigo não cristão que precisa ser visitado, o livro que requer atenção; tais projetos não precisam ser consumados agora e nem hoje, posso deixar para mais tarde ou amanhã. Porém, as tarefas urgentes exigem uma ação imediata. Nosso lar deixa de ser um castelo enquanto o telefone penetra em seu interior com seus chamados imperiosos. Tais chamados nos parecem tão importantes e irreversíveis que devoram nossas energias. Porém, na perspectiva do tempo, o valor desses chamados desaparece e constatamos, então quantas coisas importantes deixamos de realizar e daí, reconhecemos quão escravos temos sido da tirania urgente.

O EXEMPLO DE CRISTO: Será que há um meio de evasão dessa maneira de viver? Encontramos a resposta na vida do Nosso Senhor. Na noite que aconteceu sua morte, Jesus Cristo proferiu uma reivindicação admirável. Disse Ele em sua gloriosa oração de João 17: 4: “Eu te glorificarei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer.” Como poderia Jesus empregar a palavra “consumado”? Seu ministério de três anos parecia demasiado curto. Uma prostituta na casa de Simão encontrou perdão e vida nova. Porém, quantas outras prostitutas perambulavam, ainda pelas ruas? Para cada 10 músculos atrofiados que foram curados por Jesus, centenas permaneciam impotentes. No meio de tantas enfermidades e dores terríveis e com tantas tarefas benfazejas ainda não completadas e, ainda, a imensidão de necessidades humanas ainda não satisfeitas, Jesus teve paz por saber que havia consumado a obra de Deus.
Os relatos dos Evangelhos demonstram que Jesus trabalhou arduamente; do amanhecer até o crepúsculo Jesus ensinou e curou. Somente em uma ocasião sua grande preocupação fez com que trabalhasse até tão tarde de modo que viesse a perder o jantar e assim levasse seus discípulos a pensar que estivesse fora de si (Mc. 3: 21). Algum tempo depois, após uma seção árdua de ensino, Jesus dormiu durante uma tempestade (Mt 4: 37, 38). Que belo exemplo de extremo cansaço!
Mas o que deve chamar a nossa atenção é que em meio a tantos compromissos, a vida de Jesus nunca demonstrou ser agitada; Jesus sempre tinha tempo disponível para as pessoas.
Poderia gastar horas conversando com uma pessoa, como aquela mulher samaritana, ao lado do poço. A vida de Cristo foi maravilhosamente equilibrada e Ele fazia tudo em tempo oportuno.
Qual teria sido o segredo de Sua vida e de Sua obra na causa de Deus? Encontramos uma sugestão em Marcos 1: 35 “Tendo se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto, ali orava.” Jesus em atitude de oração, esperava instruções de Seu Pai e a força necessária para realizá-las. Jesus não teve a vida toda delineada como se fosse um mapa; antes, Seu discernimento da vontade do Pai, dia após dia, era fruto da Sua vida de oração que O capacitava a evitar o urgente e consumar o importante.

A morte de Lázaro demonstra claramente o princípio que afirmamos. O que poderia ser mais importante do que o recado urgente de Maria e Marta? “Senhor, está enfermo aquele a quem amas” (Jo 11: 3). João, entretanto, relata a resposta do Senhor, com estas palavras: “Ora, amava Jesus a Marta e sua irmã e a Lázaro. Quando pois soube que Lázaro estava doente, ainda se demorou dois dias no lugar onde estava.” (Ver 5, 6).
Qual era a necessidade mais urgente? Obviamente era evitar que morresse aquele irmão querido. Porém, o mais importante, do ponto de vista divino, era a ressurreição de Lázaro dentre os mortos. E Jesus a realizou como sinal
confirmador de Sua grande afirmação: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra viverá” (v. 25).

Poderíamos indagar porque o ministério do Nosso Senhor foi tão curto? Não poderia ter se estendido por mais 5 a 10 anos? Por que foi permitido que tantos sofredores e miseráveis continuassem em sua miséria? As Escrituras não nos dão uma resposta para essas perguntas e as entregamos aos mistérios dos propósitos soberanos de Deus. Sabemos, porém, que o fato de Jesus esperar as instruções do Pai, o libertou da tirania do urgente. Foi isto que lhe deu orientação, constância e O capacitou para fazer todas as tarefas que Deus lhe dera. Portanto, na última noite pode Ele dizer: “Eu te glorificarei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer.”

A EVASÃO DO URGENTE: Os universitários cristãos vivem sob uma pressão tremenda. Os níveis acadêmicos, cada vez mais altos, dificultam o ingresso nas faculdades e continuam a gerar uma competição cada vez mais aguda. Cada dia chega mais rapidamente ao seu fim, deixando muitos escritos e pesquisas inacabadas.
As finanças representam outro problema sério. De onde virá dinheiro para pagar as taxas, os livros e a pensão? O universitário cristão luta para sair acadêmica e financeiramente bem. Além de tudo isso, sente ele um senso de responsabilidade para com seus amigos. O testemunhar de Cristo demanda tempo. O grupo de estudos bíblicos, o culto de oração diário, os diálogos com os amigos não cristãos – tudo isso consome tempo, consome horas preciosas.
Isto acontece não só com o estudante, o universitário, mas acontece também no lar com uma mãe de família, com um chefe de família, com o empresário, com o pastor,...
Como agir diante de responsabilidades urgentes?
Como podemos discernir o que verdadeiramente é importante e relacionar tais coisas com as verdadeiras prioridades?

Em primeiro lugar, temos que resolver o problema em princípio. No sermão da Montanha, Jesus Cristo ensina o princípio básico da vida cristã: “Buscai, pois, em primeiro lugar, Seu reino e a sua justiça e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6: 33). Não devemos pensar em termos geográficos a respeito do Reino de Deus atuando na vida diária de seu povo. O cristão tem que se entregar a Deus em primeiro lugar, e, depois, ter como propósito encarar a vida sob o ponto de vista de Deus. É importantíssimo que isto seja feito nos dias de estudante, pois as pressões da vida aumentam com o casamento, a família e as responsabilidades profissionais. A maior experiência no trabalho e na igreja traz tarefas ainda mais exigentes.

Ora, se estamos submetidos à vontade de Deus, como escaparemos do urgente? Encontramos outra sugestão em João 8:31, 32: “Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Não a verdade no sentido de um conjunto de instruções, mas a verdade que vem como resultado de uma relação pessoal com Jesus Cristo é que nos liberta.
Jesus aponta o caminho para uma vida livre e frutífera: “Se vós permanecerdes na minha palavra,...”. É meditando com espírito de oração sobre a Palavra de Deus, que encontramos a perspectiva divina.

P.T Forsyth disse certa vez: O pior dos pecados é aquele de não orar, pois quando falhamos nisto estamos confessando que não necessitamos da orientação e da força divina.

Esperar em oração as instruções de Deus é algo indispensável ao serviço efetivo. É como o intervalo no jogo de futebol, que nos ajuda a tomar fôlego e estabelecer nova estratégia. Nesta comunhão diária o Senhor nos liberta dessa tirania do urgente. Ele nos mostra a verdade a respeito de Si mesmo, da vida e de nós mesmos, e, ainda mais, indica nossos deveres. A necessidade não constitui em si mesma uma chamada. Deus é que impressiona em nossas mentes as tarefas que devemos empreender, e Ele conhece as nossas limitações. Deus não nos sobrecarrega até desfalecermos com um esgotamento nervoso ou com um colapso cardíaco. Aquilo tudo vem como resultado de nossas compulsões internas conjugadas com as pressões circunstanciais.

O princípio de parar um pouco a fim de fazer uma avaliação é reconhecido como uma estratégia sábia pelo comerciante moderno.

Quando o Sr. Grenwalt era presidente da Companhia Du Pont disse: Um minuto gasto em planejamento poupa três ou quatro na execução.

Muitos homens de negócios tem revolucionado seus negócios e multiplicado seus lucros pelo simples fato de reservar a tarde de cada sexta-feira somente para o planejamento das atividades mais importantes da semana vindoura. Se um executivo estiver ocupado demais para gastar tempo em planejar, é bem possível que seja substituído muito breve por outro que venha ocupar melhor o seu lugar.

Se o cristão é ocupado demais e não para com a finalidade de fazer um inventário de sua vida espiritual e poder assim receber instruções de Deus, se tornará mais um escravo da tirania do urgente. Poderá trabalhar dia e noite e lograr algo que pareça importante a si mesmo e até aos outros, porém não cumprirá a obra que Deus lhe delineou.
Uma hora tranqüila para a meditação e oração no início de cada dia, reajusta a nossa relação com Deus. Essa hora nos ajuda a nos entregarmos diariamente à Sua vontade, quando cogitamos a respeito das horas vindouras. Nestes momentos quietos tenho o costume de colocar em uma lista, em ordem de prioridade, as tarefas que tem que ser consumadas, levando sempre em consideração os compromissos já tomados.
Um general competente sempre redige o seu plano de batalha antes de se encontrar com o inimigo; não vai ele adiando decisões básicas até a hora do fogo, porém está sempre preparado para qualquer mudança de planos se alguma emergência assim o exigir. Por isso, estou sempre prevenido contra qualquer interrupção de emergência ou mesmo por uma visita inesperada. Por outro lado, procuro implementar os planos já elaborados, antes que a batalha diária contra o relógio comece.

Além de minha hora tranqüila diária, procuro sempre reservar uma hora por semana para fazer meu inventário espiritual. Com a caneta na mão, faço uma avaliação do passado, destacando qualquer verdade que Deus está tentando ensinar-me e, também delineio alguns planos para o futuro. Procuro também tirar um dia por mês para fazer a mesma coisa, só que em escala maior. Neste aspecto tenho falhado muito. Paradoxal e ironicamente, quanto mais ocupados somos, mais tempo necessitamos para este exercício; porém, encontramos mais dificuldades em cumpri-lo. Como um fanático quando desorientado, dobramos a velocidade do nosso corre-corre; e o serviço frenético na causa de Deus pode ser uma fuga ao próprio Deus. Porém, quando tenho bom êxito, o pensamento orientado pela oração proporciona nova perspectiva ao meu trabalho.

No decorrer dos anos, a maior e mais contínua luta em minha vida cristã, tem sido esta de dispor o tempo adequadamente para diariamente esperar em Deus, e para fazer esse inventário espiritual e, ainda tirar um dia para planejamento mensal. Desde que isto é algo muito importante, Satanás tudo fará para atrapalhar nosso plano. Todavia, sei, pela minha experiência, que é somente desta forma que posso escapar à tirania do urgente. Foi assim que meu Senhor logrou grande sucesso. Ele não consumou todas as coisas que porventura gostaria de ter realizado, nem todas as tarefas que a Palestina exigia, porém consumou “a obra que me confiaste para fazer.” A única alternativa contra a frustração é a de possuirmos a certeza de que estávamos fazendo aquilo que Deus quer. Não há substituto algum para aquela plena convicção de que neste dia, nesta hora, estou cumprindo a vontade de meu Pai. É somente assim que posso pensar em todas as tarefas não terminadas com um espírito tranqüilo e entregá-las nas mãos de Deus.

Ao findar nossas vidas, o que nos poderia nos dar mais prazer, do que a convicção de termos cumprido a obra que Deus nos determinou? Isto só é possível pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos prometeu a libertação do domínio do pecado. O Caminho esta aberto. Se continuarmos na Sua palavra, somos verdadeiramente Seus discípulos e Ele nos libertará da tirania do urgente, nos libertará para fazermos o importante, ou seja, a vontade de Deus.

Este artigo é de autoria do escritor cristão Charles Hummel.

Que Deus nos abençoe dando-nos sabedoria para conhecermos a Sua vontade para as nossas vidas e cumpri-la nesta difícil caminhada num mundo decadente e desordenado.

Edécio Augusto.

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